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Sobre o livro

mula sem cabeça


Quando uma maldição ameaça a família de um pacato garoto, é hora de usar coragem e magia para vencer todos os desafios de uma jornada épica.

Contos de Novembro narra a história de Miguel, um típico adolescente brasileiro.

O rapaz vive uma rotina monótona e previsível até que um dia, no mês do seu aniversário de 17 anos, tem que se tornar o homem mais valente da sua cidade para enfrentar perigos nunca antes imaginados e resgatar a sua irmã das garras de um predador diabólico lendário.

Gostou desse prelúdio? Então continue a desvendar os mistérios desta trama fantástica.

Boa leitura! (:

CAPÍTULO 3 – Rotina

história do saci

– Meu filho, acorde! Seu pai sai em 10 minutos, já tá terminando de tomar café. Conseguiu dormir bem depois do pesadelo de ontem? Vamos, vamos, vamos, levante! Saia dessa cama! Meu Deus do céu, não tem um dia que não seja esse aperreio pra levantar. – Resmunga a matriarca da família a abrir as cortinas do quarto do nosso herói adormecido.

Contração involuntária dos membros. Posição fetal para recobrar a consciência.

– Nossa, eu detesto quando a mamãe entra no quarto assim!

– Vamos, meu filho, depressa… Desse jeito você atrasa a vida de todo mundo!

– Ôh, mãe, me dá um minutinho… Se acalme, vai dar tempo.

– Até parece que eu não te conheço, menino. Tu és uma vida pra se arrumar.

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Miguel se senta na cama enquanto sua mãe continua o sermão. Esfrega os olhos, passa a mão nos cabelos e chacoalha a cabeça. O garoto, ainda não completamente desperto, escuta a voz de sua genitora borrada, difusa e distante, como em um filme em câmera-lenta. Dá uma piscada demorada, boceja e olha na direção daquela que lhe deu à luz. Percebe que ela caminha em sua direção com o dedo em riste.

– E é a última vez que eu lhe chamo. Da próxima vez eu sei o que eu faço contigo!

O garoto recobra a consciência em um instante.

– Quando a mamãe fala assim é melhor não contrariar. Da última vez, eu quase perdi a orelha. Relembrou.

Miguel jogava com a própria sorte, apesar de conhecer bem o temperamento da mãe. Demorava para executar tarefas simples. Pé ante pé, saía do quarto em direção ao banheiro. Para espremer a pasta de dente e pôr na escova, era mais outra labuta. Déficit de atenção e vozes mentais.

– Essa mancha no canto do espelho é nova. Nunca tinha reparado nela. 

Qualquer interferência externa se tornava um excelente motivo para desviar seu sentido. 

O tempo passa e nada de o rapaz se aprontar para o cursinho. 

– Tá pronto, filho. Saio em dois minutos. – Adverte o pai de Miguel enquanto limpa o farelo de torrada no canto da boca com a ajuda de um guardanapo.

Miguel clica no botão central da parte debaixo do celular para conferir a hora. 

– Vai dar tempo. Ele me espera toda vez.

Amenidades mentais. 

– Deixa eu ver qual vai ser a trilha de hoje! Muito bem… Acho que estou meio pop nacional… Melhor! Vai ser aquela lista que eu já tinha preparado.

Play. 

– Oxe! O que houve agora? 

A música demora a tocar.

– Droga! A internet deve ter caído. Já sei que o dia vai ser daqueles… 

O garoto confere a hora. 

– Caramba! Me atrasei geral. É hoje que o papai…

Não deu tempo nem de o garoto completar mentalmente a frase.

– Filho, tá pronto? Vou chamar o elevador! – Bradou o patriarca da casa já em direção à porta da área de serviço. O bom homem tinha mania de sair pela parte de trás do apartamento. 

– Eita! Lascou. Mamãe vai comer o meu fígado quando eu sair desse banheiro. Mas de boa, é só eu ficar aqui para sempre…

O garoto liga o chuveiro e finge estar adiantado em seu toalete matinal. Aguça os ouvidos. Deixa a água escorrer pelo ralo. Prende a respiração. Tenta ouvir os ruídos dos movimentos da sua genitora. Nenhum sinal chinelo arrastando no chão ou tilintar de xícaras vindo da direção da cozinha. Quietude. 

– Estranho. Mamãe não deu um “ah”! Ela deve ter aproveitado a carona do elevador e saído junto com o papai. Ótimo! Dessa vez parece que eu escapei.

Lapso de sobrevida. Miguel solfeja os acordes da última canção chiclete que havia decorado. Desliga a ducha. Passa a toalha pelos cabelos e costas como se estivesse lixando uma parede. Veste a roupa que havia escolhido previamente. Calça jeans azul meio velha e uma camiseta cor de grafite. Agita os cabelos lisos entre os dedos e sai higienizado do cômodo quando…

– Muito bonito pra tua cara! Lerdou no banheiro de propósito hein? Pensa que eu não te conheço… Dá próxima vez tu vais apanhaaaaaar…

– Calma, mãezinha! Vou de ônibus sem problema. Retruca o garoto ao tentar livrar sua orelha contorcida do puxão que sua mãe lhe infligia. 

– Meu filho, o vestibular é mês que vem. Você tem que focar nessa reta final.

Era a segunda vez que o rapaz prestava esse concurso.

– Eu sei, mãe… eu sei.

O jovem olha para o chão. Desapontamento.

– É… mas temos que manter o otimismo. Pensamento positivo! Esse é o segredo. Nossa mente é poderosa. 

E a matriarca tenta animar o primogênito.

– Deixei sua bananada na geladeira. Melhor tomar logo antes que ela fique turva.

A genitora beija a testa do filho e sai do apartamento carregada de objetos. Bolsa no ombro, celular na mão esquerda, chaveiro decorado na outra. Debaixo de um braço três pastas carregadas de documentos. Debaixo do outro uma sombrinha estampada. A senhora Cândida era o retrato da mulher multi-tarefa.

– Eca! – Lamenta o nosso herói ao se deparar com a vitamina de banana já toldada. 

– Ou é isso ou é uma pilôra daquelas antes de chegar o intervalo no cursinho. – Reflete.

Três goles para não sentir o gosto de fruta passada. Bochecho de enxaguante bucal. Mochila. Porta da cozinha. Elevador.

Antes de sair do seu prédio, Miguel conecta os fones de ouvido ao celular. Passa os fios por dentro da camiseta tomando cuidado para não revelar o sedentarismo da sua linha de cintura. Coloca os fones nos ouvidos, um de cada vez. Olha para os dois lados antes de fechar o portão do edifício

A parada de ônibus ficava a quatro ruas do apartamento dos pais de Miguel. Muros altos, cercas elétricas, entulhos periódicos nas calçadas. Bramido.

O garoto sente a sua caixa torácica reverberar. Olha para o céu.

Gris.

– Será “se” vai chover?

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Mão no fundo da mochila. Tato apurado. Lápis e canetas. Apostilas. Carregador do celular remendado com fita isolante.

– Cadê meu guarda-chuva?

O garoto solta a alça do ombro esquerdo e abre o compartimento maior da sua bolsa. Alerta!

– Puts! Lá vem meu ônibus… Agora, já foi!

Sebo nas canelas. Miguel dispara em direção a parada. Consegue ver, de canto de olho, o motorista do veículo rindo da sua aflição.

– Ah, maldito! – Pragueja.

O condutor espalha uma simpatia atípica entre os profissionais de sua classe.

– Bom dia, garoto! Preparo físico incrível o seu, hein?

Nosso herói casmurro esboça um sorriso amarelo protocolar para o motorista e passa a carteirinha no equipamento para liberar a catraca.

O automóvel estava surpreendentemente vago.

Acesso de claustrofobia.

Miguel procura um assento próximo da porta de saída e no corredor.

– Se tem coisa que eu detesto é sufoco na hora de saltar no destino. – Conclui.

O rapaz se acomoda confortavelmente. Suspiro de alívio.

– Hoje o dia promete. Transporte vazio. Celular com bateria 100% carregada. 4G funcionando bem. Partiu ouvir música.

Discrição ao pegar o celular no bolso. Olha prum lado. Fone do lado direito na orelha direita. Olha pro outro. Fone, orelha…

– Ufa! A barra tá limpa. Ninguém dando conta de mim.

Procedimento de segurança de usuário de transporte público, morador de cidade violenta, concluído com sucesso.

Play.

Miguel se perde entre pensamentos cotidianos e o ritmo das canções do seu celular. Olhar difuso.

Parada brusca!

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– Ôh, seu motorista! Tu tá levando é gente num é boi não. – Reclamam os passageiros.

– Quiiiiiiih! Djeeeem! Queeeima! – Algazarra generalizada.

– Foi mal, gente! Essa faixa estava livre ontem. Parece que teve um acidente aqui. Tá tudo interditado.

Miguel remove seus fones de ouvido e salta para a cadeira da janela. O veículo passa bem próximo de uma aglomeração. Ânimos exaltados.

– A gente estava bem aqui! Eu juro. Quem cometeu essa covardia vai ter que pagar. Nossa sociedade não aguenta mais tanta violência. Isso tem que acabar. Eu quero justiça. – Esbraveja um jovem completamente transtornado.

Curiosidade mórbida.

– Que história é essa? – Nosso aspirante e a paladino aguça os ouvidos, tenta captar o máximo de informação da rua.

– Tente se acalmar, meu amigo! – Adverte um homem fardado próximo ao jovem aturdido.

– A gente ia se casar, seu guarda! A gente estava só esperando o dia, seu guarda! E uma tragédia dessas acontece.

Solavanco. O ônibus retoma o seu itinerário. Miguel põe a cabeça para fora da janela. 

– Certeza que ela fez foi se jogar! Assalto? Duvido. Tu sabe como são as coisas aqui em Teresina. A pessoa tá bem aqui boazinha e quando a gente pensa que não… Bufo. Pula da ponte. – Especula uma senhora.

– Armaria, mermã, como tu é rúim. Num tá vendo o desespero do rapaz, não? – Censura a amiga, compadecida pela situação.

Escândalo. As atenções se voltam ao homem desesperado, novamente.

– A gente não estava sozinho, seu guarda. Olha aqui essa mancha!

Clareira repentina. Miguel estica o pescoço e vê a marca no chão.

Vislumbre. Olhos cerrados. Breu mental. “Nãããão”. Grito agudo a desaparecer em um precipício. Cicatriz em chamas.

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– Aaaaau! De novo?

O nosso Odisseu aperta sua região cervical. O coletivo recobra seu curso e cruza a Ponte JK em direção ao centro. Conferida na hora pelo visor do celular.

– Droga, já estou atrasado.

Puxa a corda. Salta na parada. Rumo ao centro de estudos.

Constrangimento. Suspiro para tomar coragem para entrar na sala. Miguel abre a porta. A turma encara Miguel. Miguel olha pra lousa. Matéria do dia: eletrodinâmica.

– Só pode ser brincadeira! – Conclui mentalmente.

Por sorte uma cadeira sem dono encostada na parede no final do recinto.

Nosso favorito se esgueira entre os pertences dos colegas depositados no corredor entre as fileiras e toma o seu lugar. Contudo, um turbilhão de pensamentos inunda sua mente.

– Muito estranho o que aconteceu na ponte há pouco. Todo mês coisas do tipo acontecem e não geram esse comoção toda. Policiais, curiosos… Uma possível vítima dando espetáculo no local do ocorrido. Não, não… normal o evento de agora não é! – Reflete.

O adolescente pega o celular do bolso e tenta posicioná-lo fora do campo de visão do professor.

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– A internet tá aí pra isso.

Busca frenética quase errática.

– Jovem desaparecida Teresina.

Primeira tentativa em vão.

– Aff… só matéria antiga. Certamente, nada deve ter aparecido no telejornal local primeira edição de hoje.

De volta ao buscador local.

– Obituário mais recente.

Insucesso.

– Alguma hashtag na rede social? Vou tentar.

Fracasso.

– Onde será que eu posso procurar? Pensa, Miguel, pensa!

Breve hiato.

– Já sei! Se você quer saber das últimas polêmicas e casos misteriosos da região só existe um lugar pra procurar: o blog das Tias do Bafo. É isso!

www.tiasdobafo. […]

– Achei! – Comemora.

Miguel observa a sala. Toda a turma concentrada na aula.

Olho na tela do dispositivo móvel.

Tias do Bafo

As mais quentes do dia

Mais um acontecimento inusitado acontece na capital do Meio-Norte do Brasil. Para quem não se ligou ainda, nunca choveu tanto no mês de novembro quanto nessas últimas duas semanas.

Fora isso, Teresina tem sustentado a fama de ser considerada a Chapada do Corisco. A forte incidência de raios tem danificado as câmeras de segurança pública espalhadas por todo o centro da verde cap.

Para completar, hoje tivemos mais uma morte misteriosa na Ponte JK, sentido Av. Frei Serafim. Uma jovem chamada Eduarda Moura desapareceu misteriosamente da ponte mais movimentada de Teresina enquanto posava para o seu namorado.

É possível ver o casal se aproximando do para-peito da ponte. Em seguida, um forte clarão acontece. Possivelmente, uma descarga elétrica pode ter danificado essa câmera de segurança também.

O fato é que hoje pela manhã, uma aglomeração considerável de curiosos e autoridades tomou de conta do local do acontecimento. O trânsito ficou comprometido no sentido “zona leste-centro” durante duas horas.

No link abaixo, você pode assistir a um vídeo com o depoimento emocionante do namorado de Eduarda.

A gente fica por aqui.

Esses foram os bafos mais incríveis do dia de hoje!

Equipe T.D.B

– Então, a garota desaparecida se chama Eduarda Moura. Vou já saber mais na rede social. 

Abre o aplicativo. Digita o nome do perfil.

folclore brasileiro

– Bingo! É esse arroba mesmo. O cara que aparece com ela em várias fotos é o mesmo que estava hoje na ponte.

Bisbilhoteiro.

– Eles pareciam um casal feliz.

Vasculhada geral no feed.

– Gente! Nenhuma treta, nenhum vexame. Essa menina era uma santa. – Ironiza Miguel.

Subitamente, uma informação relevante.

– Que biografia é essa?

‘Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e Nele confiarei’.

Sorriso de canto de boca.

– E ainda por cima é temente a Deus! Rá…

BAAAAAANG!

Miguel dá um pulo na cadeira. Sinal do intervalo.

Antes de se levantar, nosso herói dá um suspiro profundo. Alívio de tensão. Esfrega as mãos na rosto, passa pelos cabelos e entrelaça os dedos na nuca. Sente a cicatriz.

– Essa pereba que me incomoda desde ontem. Será que mijada de potó?

Nosso predestinado vai ao banheiro do cursinho. Espera dois colegas saírem do local para examinar sua ferida. Pára diante do espelho e esgarça a gola da camiseta.

– Não é potó porque não tá com o aspecto de queimadura, apesar de arder bastante. – Conclui.

– Mas parece que aumentou de ontem pra hoje. – Lamenta.

Vibração no bolso. Notificação de aplicativo.

– Mensagem da mamãe!

Demora na hora de carregar.

– A conexão aqui dentro do cursinho é péssima! – Resmunga.

BAAAAANG!

– O quê? Já acabou o intervalo? Que saco! Nem deu tempo de lanchar.

Miguel volta pra sala com fome.

Celular vibrando no bolso.

– Outra mensagem da mamãe? Tomara que agora as duas carreguem.

Seu pai vai lhe buscar no cursinho depois que sair do trabalho. Vá direto pro lugar por onde ele sempre passa.

– – – 

E cuidado na hora de atravessar a rua! (emoji de beijo)

– Mamãe é uma figura. Sempre preocupada! – Sorri.

As aulas finais transcorrem sem maiores distrações.

A campainha de encerramento do turno da manhã ressoa.

O adolescente caminha direto para o local indicado por sua mãe.

– Cadê o carro do papai! – Intriga-se.

Sinais luminosos.

– Três flashes curtos e dois longos. É o papai!

A avenida onde se situa o cursinho do nosso pré-vestibulando é bem movimentada. O carro do senhor Elmar está na pista da calçada oposta onde Miguel espera. Hora do rush. Os veículos não dão passagem para que o pai do garoto mude de faixa.

– O papai não vai conseguir chegar aqui. Vou lá! – Decide.

Seguindo as orientações de sua mãe, nosso destemido estudante rompe o tráfego. Devia de um carro. Depois de outro. Entra fulminante no carro do seu genitor. Refrigério.

– Tá com fome, meu filho?

Miguel franze a testa, torce os lábios e balança a cabeça negativamente.

– O pessoal não dá passagem pra gente! Vamos ter que contornar a São Benedito, não vai ter jeito. – Determina o pai.

O silêncio momentâneo é interrompido por mais uma agitação. Mas desta vez, quem escandalizava era uma personagem bem conhecida da capital piauiense.

– Djuah! Olha essa louca! – Aponta o senhor Elmar para uma mulher de meia idade, obesa, coberta de roupas esfarrapadas e com um dos seios à mostra.

– Ela, de vez em quando aparece aqui pelo centro mesmo, pai! Figurinha famosa aqui do centro. – Completa Miguel.

Sinal vermelho. Trânsito interrompido.

A lunática desembesta a gritar

– Eles voltaram, eles voltaram! Muá, muá, muah! Eles vão se baijar. Muá, muá, muah!

Os transeuntes se juntam ao redor da pobre coitada. Ela solta uma risada aguda. Eles registram tudo pelo celular. Viralização.

– Elas vão tudo morrer! Quem é que vai salvar?

Contralto ensandecido. A destrambelhada muda o tom da voz. Possessão.

– Onde ele estava? Com quem ele estava? Onde você estava?

Sincronia. A louca aponta o dedo indicador para Miguel e o encara pela janela do automóvel.

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O adolescente se assusta e olha fixamente para o painel do carro onde estava.

Sinal verde. Segue o fluxo.

– Nossa que dia!
Miguel alonga a região cervical na tentativa de relaxar.

– Torcicolo, filho?

– Dormi de mal jeito. Nada de mais! – Ameniza o rapaz.

– Você tem que cuidar melhor desse sono. Afinal de contas, o vestibular tá logo aí.

– Agora tudo é esse bendito vestibular! – Pensa.

– Daqui pra lá, muita coisa pode acontecer. – Finaliza o jovem.

Pai e filho seguem em silêncio até chegarem em casa e o quinhão de surpresas do dia chega ao fim.

. . .

lendas brasileiras

G.S. ATHAYDE

– Escritor –

Autor do Romance Novembro

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Vamos resgatar a nossa cultura, nossas lendas e personagens folclóricos.

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Sobre o autor

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O folclore brasileiro sempre me encantou. Adorava sentar na porta da casa do meu avô e ouvir os vizinhos mais velhos falarem sobre fenômenos sobrenaturais, almas penadas e criaturas mágicas.

Com o passar do tempo, o meu interesse pelo assunto só aumentou.

Magicamente, quando minha irmã caçula me chamou no seu quarto – em uma noite qualquer do mês de novembro – e me pediu para lhe contar uma história enquanto ela pegava no sono, o meu livro nasceu.

Espero que você aproveite cada capítulo da saga Novembro e ajude a manter sempre vivas as lendas do nosso povo.

Caso queira ajudar o autor neste projeto, considere compartilhar esta obra com um parente, amigo ou colega de trabalho que adore romance de fantasia.

Boa leitura! (:

CAPÍTULO 2 – Perturbação

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A tempestade recobra o seu vigor e atinge o apogeu na terceira hora da madrugada. Teresina é mais uma vez fustigada por raios e ventos implacáveis.

Protegido do dilúvio que assola a parte mais baixa da cidade, em um típico bairro médio-burguês da zona leste teresinense, dorme profundamente um garoto. Mestiço, franzino e míope, repousa sereno em sua cama dentro de um quarto de 15 metros quadrados. Nas paredes, painéis com fotos retratando diferentes fases da sua vida. Aniversários em família; viagens à casa de veraneio; prêmios recebidos na escola. Pelas fotografias, nada de grandioso ou de entusiasmante havia marcado a história daquele jovem de uma cidade desconhecida no mundo. A julgar pela decoração modesta e previsível do cômodo onde dormia, pode se supor que a vida daquele menino raquítico é, até a esta altura, um tanto monótona.

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O condicionador de ar está ligado na máxima potência. O barulho do aparelho abafa o rugido dos trovões, mas não impede que dentro da mente juvenil do rapaz um sonho perturbador o aflija.

Vinco na testa, rosto contraído. Uma gota de suor brota e escorre por sua têmpora, embora a temperatura do quarto estivesse estável nos 19ºC.

Pesadelo. O garoto se debate sob as cobertas. Golpeia o travesseiro com a nuca. Um sonho terrível se desenrola na sua cabeça.

– Miguel!!!!!!!!

O grito apavorado de sua irmã mais nova ao despencar para dentro de um precipício negro e sem fim faz o jovem acordar de súbito.

 – Nããããão!

Miguel senta na cama, leva as mãos ao rosto e esfrega os olhos.

– Que pesadelo, meu Deus!

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Ninguém entra no quarto para consolar o adolescente. Pelo visto, em sua casa, marmanjos de 17 anos de idade não precisam de consolo após uma noite de sono tumultuada.

Atordoado, Miguel sai do quarto tateando as paredes. Acidentalmente, liga todos os interruptores que encontra pelo caminho. Consegue chegar à cozinha depois de esbarrar em alguns móveis. 

 – Ai, meu mindinho! 

 Abre a geladeira, pega uma garrafa de água; depois, um copo. Serve-se e se senta à mesa. Toma um gole e tenta se lembrar de mais detalhes do que tinha acabado de sonhar. 

Tudo o que se recorda é o rosto da sua irmã aflito desaparecendo no breu daquele precipício infinito. Frustrado, cruza os braços na mesa e aninha a cabeça entre eles. Permanece assim por uns segundos, quando…

– Meu filho, quantas vezes eu já lhe falei que seu pai acorda toda vez que vocês acendem as luzes da casa?

A mãe, que adentrava a porta da cozinha já disparando as perguntas retóricas de costume, compadece-se da situação do filho.

– O que foi, querido?

– O de sempre.

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– Aquele sonho com sua irmã…

– O que isso quer dizer, mãe?

Sem ter explicação a dar, a mulher acolhe o rapaz no colo e beija a sua cabeça.

– Boa noite, meu filho. Se precisar de qualquer coisa, bate na porta.

. . .

Taquicardia. Miguel recorda os flashes do pesadelo que acabara de ter. A lembrança do terror estampado no rosto pálido de sua irmã despencando precipício adentro faz o coração do rapaz bater acelerado.

– Dizem que água com açúcar acalma os nervos… Deixa eu pôr essa teoria à prova.

O jovem pega o açucareiro de prata que foi presente de casamento dos seus pais. Coloca duas colheres tímidas do pó doce no copo de vidro. Completa o volume restante com a água que já estava fora da geladeira e dá umas mexidas para dissolver o açúcar.

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Sequência de três goles ruidosos a vibrar as fibras da garganta

– Até agora, nenhuma melhora… Deve levar alguns segundos pra fazer efeito

[…]

– Nada! É pura crendice mesmo.

Miguel pega a colher de chá que usara para misturar o líquido calmante e a coloca dentro do copo. Sua mente começa a divagar por assuntos cotidianos quando subitamente um estrondo impacta no seu peito. Oscilação de luz. Um trovão acabara de interromper a psicosfera romântica da cozinha, convidando o rapaz a contemplar a tempestade da varanda.

-Caramba! Wow!

Pensamentos ionizados pela tempestade.

– Eu adoro trovões! Eles são a prova de que a Natureza te deu mais uma chance…

Retrucando amenidades mentais, o garoto levanta da cadeira da cozinha e caminha em direção à sala, apagando as luzes que sua mãe tinha deixado acesas. Zelando os dedos mindinhos, chega perto da esquadria que separa a sala daquele minúsculo apartamento de sua varanda igualmente exígua.

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– Que coisa difícil de se abrir! Tá emperrada? Ah, agora sim, finalmente!

Impacto frio. Miguel abre a divisória e sente a umidade refrescante das gotinhas de chuva que respingam na sua fronte. De braços abertos e esboçando discreto um sorriso de satisfação com o tempo, continua a devanear…

– Não sei por que tanta gente aqui tem medo de chuva. Lembro de quando as babás que cuidavam de mim e das minhas irmãs diziam pra gente se calçar e cobrir os espelhos dos banheiros. Tudo isso pra não chamar os raios para dentro de casa.

Rajada de vento.

– Houve um tempo que eu também tinha medo. Mas meu pai me fez ver um tempo chuvoso de um jeito muito peculiar.

Corisco e trovão!

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– Toda vez que chove, como agora, volto a ter cinco anos de idade. Era muito bom deitar no colo do meu pai. Ele passava horas comigo na rede a se embalar e a observar a chuva no terraço da nossa casa antiga. Bastava um raio faiscar no céu, acompanhado de um rugido surdo de trovão ao longe pra eu colocar os indicadores nos ouvidos enterrar o rosto no pescoço do papai. Ainda sinto o passar das suas mãos pela minha cabeça para, amorosamente, me convencer a tirar os dedos dos meus ouvidos. O barulho das nuvens se chocando me faz recordar a ladainha costumeira que papai deixava escapar em tempos de chuva: “Ôh, trovão saudoso! Tá vendo, meu filho, não precisa ter medo. Você está na sua casinha e o papai está aqui com você. Era só um trovão lá longe. Já passou.”

O rapaz inspira profundamente e enche o peito de nostalgia. 

Sopro de Yamandu. Miguel olha a paisagem carregada do parapeito de sua varanda. Um feixe de relâmpagos estilhaça o céu nebuloso. O rapaz vê o reflexo das descargas elétricas pintarem de branco a superfície do Poti.

Inesperadamente, um clarão ofusca o garoto. Tontura.

– Caramba, que dor!

Nosso herói passa a mão na nuca, desliza pela mandíbula e esfrega o ombro direito. Figuras de Lichtenberg. 

– Formigamento estranho esse. Vai ver deu um mau jeito quando eu me assustei.

Bocejo profundo.

– É… chega de pegar sereno por hoje. Ganho mais se voltar a dormir.

. . .

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G.S. ATHAYDE

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CAPÍTULO 1 – Dias de Chuva

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Coisas estranhas acontecem no mês de Novembro em Teresina. Treze dias ininterruptos de água. Chove desde o Dia de Todos os Santos. Uma chuva grossa, pesada e contínua, igual a mão corretiva de mãe a sovar o couro rubro de uma filha malcriada. Teresina chora.

As lágrimas se amontoam. Teresina se alaga e sangra através de suas ruas e calçadas. A correnteza desliza para o lado mais baixo da cidade. As lágrimas matam a sede do Poti, à míngua desde o começo da primavera meio-nortista. E os raios… Serpenteiam em todas as direções esses bois-tatá alados. Deixam em brasa o céu da Chapada do Corisco. Uns, mais afoitos, mergulham de cabeça em direção a terra. Estrondo. Faísca na cruz mais alta da São Benedito. Explosão. Os estaios da Isidoro França se eletrificam. Estampido surdo ao longe. Lá se foi o Troca-Troca. É assim a noite inteira. Teresina, atormentada, amanhece sem dormir.

Calmaria assim que o sol começa a pulsar às vinte pras seis da manhã. A cidade desperta como o herói que se levanta após uma noite de batalha. Pouco a pouco as pessoas saem de suas casas. A vida recobra seu fluxo normal. Calmaria. As moças de colares e laços de fita acenam para seus rapazes na passarela da Frei Serafim. Calmaria. Os atletas amadores começam a encher a Cajuína no sentido Raul Lopes para o cooper matinal, saltando as poças de água e lama periódicas durante o caminho. As famílias terminam de tomar café para levar os pequenos à escola. Quem tem trabalho, vai pro trabalho. Quem tem o que fazer, faz o que tem que ser feito. Segue a vida umidamente. O décimo quarto dia de Novembro é invadido pela bonança.

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O Poti está gordo como a sucuri que acaba de engolir um novilho: marrom-esverdeado, caudaloso e sinuosamente pleno. Teresina está  encharcada e fresca como uma virgem envolvida por lençóis brancos translúcidos de água. Particular atmosfera de magia toma conta da paisagem. Cheiro de umidade verde. Encantadora visão.

A parte clara do dia passa sem muitas novidades. 

Noite. A lua mostra a ponta da unha entre chumaços de nuvens. Cartão postal. Um casal de namorados faz pose na ponte JK de costas pra Raul Lopes, querendo enquadrar a ponte nova na foto.

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Ele dá um beijo nela. Ela sorri com o canto da boca, olha pro chão e coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha esquerda. Subitamente uma rajada de vento passa por entre os dois, despenteando a moça. Ele dá dois passos para trás e aponta a lente para ela.

– Amor, ajeita o cabelo… O vento assanhou. 

– Tira logo essa foto, amor, antes que comece a chover.

– Tá… espera só um pouquinho.

O jovem volta o olhar pra câmera fotográfica. Susto. Um raio dilacera o ar. 

– Calma! o flash não tá ligado… Pronto!  Vai, amor… Sorri…

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A moça desaparece do nada. Rapto? Precipitou-se no rio? Não houve som, gemido, pancada. O jovem inconformado se joga por sobre o parapeito. Grita. Urra. Espuma… Nada adianta. Uma mancha de água e lodo marca o local do desaparecimento da moça. Algo parecido com uma pegada ou com um formato de mão borrado. O rapaz permanece ajoelhado sobre a mancha, mas não percebe. Outro raio trinca o céu neste instante, mas não choveu. 

.   .   .

Alheio a desventura que acabara de acontecer ao jovem casal de namorados, um bêbado perambula errante pelo passeio da Frei Serafim. Muito animado, ele cantarola a boemia melódica dos versos de uma banda famosa na cidade. 

– Tome este vale e vá pra Timon, só dê notícias lá do outro lado – diz ele a dedicar o verso para a garrafa de pinga quase vazia que leva consigo. Ela, sua única e fiel companheira, nada responde.

Entre um gole e outro, o ébrio contorna o largo da Igreja São Benedito. Passa as mãos encardidas pela tinta branca das paredes da magnífica construção. Vandalismo acidental. O andarilho desce com notável desenvoltura a escadaria da frente do templo ao ritmo das estrofes da canção que entoava. Ele não tropeça nem bambeia. É… há quem diga que Deus protege os bêbados. Sereno e garoa. Uma gota atrevida cai dentro do olho do abençoado cantor.

– Quem foi que cuspiu em mim?

Eis que se arma o toró. Toró mafrense clássico. Pingos grossos, ventos, uivos, galhos estalando, árvores chacoalhando e coriscos. Blackout total. O homem corre em direção à praça Pedro II e se acomoda embaixo da marquise do Cine Rex. 

– Eita, chuva mais sem motivo! Resmunga. 

Um vento frio, daqueles de trincar a espinha, passeia sorrateiramente pelo perímetro da P2*. Bater de queixos. O nosso desconhecido íntimo cruza os braços sob as axilas. Ainda segurando com uma das mãos a garrafa de pinga, contempla o ambiente ao seu redor encharcar.

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Do outro lado da praça, um morador de rua manco se arrasta para debaixo do toldo de uma loja “bate-cópia”. Traz consigo uma muleta de madeira, um maço de jornal velho e um cachorro vira-lata malhado e imundo, preso à uma coleira feita de corda de piaçava levemente poída. O trio de indigentes se observa e se ignora, dois a um. O cão abre a boca e dá um bocejo profundo. O manco se cobre com o jornal velho e traz o cão para junto de si. O bêbado encara a dupla do outro lado da rua e, depois de uma golada, maldiz: idiotas.

A tempestade chega ao seu clímax. A árvore malcheirosa próxima ao coreto em estilo neoclássico da praça verga e ameaça quebrar. Quem passa perto dela num dia comum e seco na capital sente um odor forte e corrosivo de ovo podre misturado com enxofre. A chuva começa a diminuir. Chuva sulfúrica. Um raio cáustico parte o céu e abre a árvore em duas bandas. Árvore-tocha. Enquanto as labaredas consomem a planta, o manco tenta consolar o seu cão que se debate e emite latidos agudos, parecidos com silvos de apitos. Dizem que os cães pressentem as coisas. 

Subitamente, o chão começa a tremer. As pedras-portuguesas que forram as passarelas da praça se desencaixam. Entreolhares. Desespero e pedidos de socorro mútuos em telepatia. 

A fenda central da árvore em chamas começa a estalar e expandir. Do seu interior emergem cinco objetos pontiagudos e articulados. Tentáculos? Logo em seguida mais cinco. Dedos? A chuva, a fumaça e as cinzas borram os detalhes da cena. 

Uma rajada de vento inadvertida varre a névoa que impedia a visão dos acontecimentos. Já é possível definir o que sai de dentro da árvore. Duas mãos, que forçam as duas metades da planta em direções opostas. Um… dois… Três solavancos. A árvore é dilacerada pela criatura que brota de dentro da terra. Parto. Uma mulher esguia, de cabelos pretos e longos ergue-se da fenda infernal. Ela usa um vestido branco, que cobre o corpo inteiro. Manchas pretas marcam a barra da saia e o final das mangas. O pretume vem do enxofre que escorre das extremidades de seus membros. Diabólica. O cheiro de matéria podre fica ainda mais denso. O monstro se contorce para frente e para trás e emite gritos finos e penetrantes. Volta a cabeça para o alto, abre a boca e passa a língua triangular e áspera pelos lábios crespos. 

Fome. Como o novilho recém-nascido que, após romper as entranhas maternas,  vaga à procura de algo para saciar seu apetite, a criatura vasculha os arredores da praça . Fome de quê? Carne. O cão sarnento começa a ladrar enquanto o aleijão tenta domá-lo ao enrolar a corda pelos pulsos. A agitação faz o monstro andar para junto da dupla. A corda poída se rompe e o cachorro parte para cima da gigante. Sem se intimidar com os latidos, a assombração investe contra o mendigo e segura-o pela gola da camiseta velha. Marionete. O monstro joga o pobre homem de um lado para o outro, revista-o como a procurar por algo entre suas roupas. À medida em que se debate, o indigente atiça a besta. Impaciente e contrariada, a aberração muda de cor. O verde acinzentado de sua pele dá lugar a um laranja incandescente. 

O pobre homem geme de dor ao ser agarrado pela fera. Ele olha para os próprios braços e vê as marcas de queimadura deixadas pelas mãos da titânide, que parece estar em ponto de fusão. 

Presságio de morte. Enfurecida por não achar o que procurava, a gigante demoníaca golpeia a sua vítima com a mão direita espalmada. O homem é pulverizado instantaneamente. Os restos mortais do indigente pairam no ar.

A  predadora, então, contrai os beiços enrugados e suga a poeira na qual havia transformado o infeliz homem, como se tentasse apagar qualquer vestígio do assassinato que acabara de cometer. Frenesi. A aberração bota uma jarda de língua para fora da boca e, desesperadamente, lambe o rosto inteiro, enquanto esfrega o dorso das mãos nos olhos e nas bochechas. A besta parece satisfeita… Parcialmente, satisfeita…

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Espanto, pavor e dormência. O bêbado deixa a garrafa de pinga escorregar por entre os dedos. O barulho do vidro ao bater na calçada chama a atenção do monstro para  a direção da marquise do antigo Cine Rex, debaixo da qual se escondia a muda e atônita testemunha do crime. 

Em cinco passadas, o demônio alcança o ébrio desafortunado. Ao chegar bem perto dele, solta um urro ensurdecedor. Impressionado com a magnitude do monstro, nosso bêbado, quase finado, retira lentamente uma carteira de cigarro do bolso da camisa amarela de botão. Desembrulha cuidadosamente o papel amaçado e pinça o fumo lá de dentro. Tateia com uma das mãos a cintura a procurar um isqueiro velho e enferrujado. Achei! Encara a titânide bestial a espalmar novamente a mão flamejante.

É agora! Acende o cigarro, dá um trago, cerra os olhos, mas não solta a fumaça. Sente uma rajada de vento passar pelo seu rosto ainda contraído. Furto. A besta rouba o cigarro da boca do nosso cambaleante herói e se distancia dele. Franze os lábios, leva o cigarro à sua boca e, numa única aspirada, consome todo o conteúdo do fumo. A fera se contorce a se regozijar. O bêbado dá um suspiro de alívio. Supõe que a predadora já estivesse satisfeita. Ingênua conclusão.

Desejosa por mais cigarro, a monstruosa criatura investe contra o desafortunado indigente. Enquanto tem seu corpo revistado, deixa cair a carteira de cigarro. O barulho desvia a atenção do demônio que pinça com dois dedo finos e compridos a caixa de tabaco. Leva o pacote até as narinas e o cheira profundamente. Volta o olhar para o pobre homem, segurado pelo colarinho. Encara-o docemente, inclina a cabeça para um lado e o outro.

O lapso de compaixão dura apenas um átimo. Rapidamente, franze a cara num sorriso diabólico e arremessa o pobre decrépito contra a parede encardida do Cine Rex. O homem cai ao chão já desacordado.

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lendas brasileiras

G.S. ATHAYDE

– Escritor –

Autor do Romance Novembro

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